Thursday, January 24, 2008

Penafiel e o Fórum Social Mundial com Padre Mário a pôr pontos nos iis

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL de PENAFIEL
Padre Mário de Oliveira de Macieira da Lixa pôs os pontos nos iis
2008JANEIRO 21

Foram contundentes, mas dificilmente irrefutáveis, as minhas palavras no debate sobre a Pobreza, no passado sábado, na cidade de Penafiel. O Café Sociedade foi pequeno para conter todas as pessoas. Mas ninguém arredou pé, apesar da contundência das minhas palavras. Fui o único, entre os vários elementos convidados para a mesa do debate que agarrei o problema pelos cornos e pus os pontos nos iis. Nestas coisas, não suporto o politicamente correcto. Nem o moralismo. Acho que tem de ser pão, pão, queijo, queijo. Falar claro é preciso. E mesmo isso é pouco, comparado com o facto massivo da Pobreza que hoje propositadamente produzimos e mantemos no mundo. O facto da Pobreza em massa tem de ser visto em toda a sua amplitude e não apenas caso a caso, família a família. O crime da pobreza é um crime estrutural. E, ou lhe pomos fim, mediante decisões económicas e políticas drásticas, estruturais, ou somos monstros dos piores. Ainda pensei que alguns dos presentes me iriam cair em cima, no final da minha intervenção. Ou saíssem do Café. Mas não. Ninguém arredou pé. E foi impressionante o silêncio, durante a minha comunicação. As reacções orais, no final, foram, senão de rasgado aplauso - tomei isso como um bom sinal - de concordância e de manifesta incomodidade interior. A consciência das pessoas presentes ficou abalada e pesada. Interpelada. Alguém, na hora, usou a expressão "Senti-me julgado pelas suas palavras". Disse-o não no sentido de quem se sentiu acusado, mas de interpelado. Só pude alegrar-me com esse testemunho que espelhava bem o da generalidade das pessoas presentes. Porque a Palavra, quando sai atravessada e carregada de Espírito, o do Deus de Jesus que é também o Deus dos pobres, é um dos efeitos que produz em quem a ouve / acolhe. Sou sempre o primeiro ouvinte da Palavra que sai da minha boca. Por isso, sou sempre o primeiro a ser julgado / iluminado / tocado / interpelado / transformado por ela. A Palavra, quando anda carregada e atravessada pelo Espírito de Deus, o de Jesus e dos pobres, não condena ninguém. Liberta-nos, torna-nos mais humanos, menos monstros, mais próximos uns dos outros e sobretudo dos pobres, mais abertos, mais livres e por isso mais responsáveis uns pelos outros e pela História. Num primeiro momento, a sensação é que a Palavra nos condena. É por isso uma sensação de desconforto. Mas logo percebemos que esse desconforto é como o do bebé recém-nascido. De repente, vê-se fora do útero materno, onde sempre havia vivido até então. E de um momento para o outro, passa a ser um novo ser fisicamente separado, autónomo, da mãe, independente, carregado de futuro que ele próprio há-de abrir e percorrer, num processo sem fim. O desconforto é total. Mas, ou assim, ou nunca chegaremos a ser nós próprias, nós próprios. Ora, a Palavra com Espírito, o do Deus de Jesus e dos pobres, quando é escutada / acolhida / praticada produz em nós um Novo Nascimento, um Novo Começo. É como um Novo Parto. Não segundo a Carne e o Sangue, ou segundo a Ideologia do Sistema-Ventre que é a Ordem Mundial onde estamos fisicamente situados, mas segundo o Espírito do Deus de Jesus e dos pobres. O desconforto é por isso inevitável, porque entre a Ideologia da Ordem Mundial e o Espírito do Deus de Jesus e dos pobres não há qualquer compatibilidade, nem reconciliação possível. Os dois são entre si como a Treva e a Luz, a Mentira e a Verdade. Onde estiver um, o outro não pode estar. A Treva odeia de morte a Luz. A Mentira odeia de morte a Verdade. E quando os da Luz e da Verdade tentam reconciliar-se com os da Treva e da Mentira acabam sempre reféns da Treva e da Mentira. Nem frios nem quentes. Por isso, vomitados da boca de Deus, o de Jesus e dos pobres. As Religiões e as Igrejas quando se convertem em religiões, é por essas águas turvas que navegam. Os partidos políticos que se formam para tomar o Poder, chegar ao Poder, partilhar do Poder, é também por essas águas turvas que navegam. A Treva e a Mentira agradecem a umas e e outros. E concedem benesses, mordomias, bons salários, muitas regalias. Ainda que algumas, alguns pareçam muito aguerridos nas suas intervenções, não passam de tigres de papel, figurantes mais ou menos folclóricos. O mais que podem suscitar nos adversários / concorrentes dos outros partidos, das outras religiões são sorrisos de condescendência e de bonomia. Depois da refrega, já estão todos à mesma mesa - a dos privilégios - a disputar mais uns nacos de carne e a dividir o bolo entre todos, sem nunca chegarem a derrubar a mesa - a Ordem Mundial - que os alimenta a todos. Os pobres do mundo - as maiorias empobrecidas - é que nunca chegam a ter assento nela. E se algum membro dessas maiorias, porque excepcionalmente mais dotado, ronda a mesa dos privilégios, pode ser convidado a integrá-la, contanto que acate as regras do jogo. Porque, se for para a fazer implodir, depressa é assassinado. Porque a Treva e a Mentira não conhecem Moral, nem Ética, fora da sua própria moral e da sua própria ética, as do Assassínio e as do Roubo ou Exploração, ditadas pela Ideologia por que ambas se regem. Por isso é que Jesus, o de Nazaré, foi banido da Ordem Mundial. Não só foi morto, de morte crucificada, mas foi banido da Ordem Mundial. Em seu lugar, ficou um mítico Cristo que as Igrejas ditas cristãs, mas não jesuânicas, cultuam como o seu Deus, em tudo igual aos demais deuses inventados pelos nossos medos e pelos nossos crimes. Deuses à nossa imagem e semelhança. E à nossa medida. Ídolos que justificam todos os crimes da Ordem Mundial e dos seus chefes de turno, e até os abençoam, a começar pelo crime da Pobreza em massa. Jesus foi o primeiro Homem, o primeiro Ser Humano que nasceu e veio ao mundo para dar testemunho da Verdade. Ele é a Verdade. Ele é a Luz, escreve o Evangelho de João, logo no Prólogo. A Treva e os da Treva, a Mentira e os da Mentira não o suportaram. E a razão salta à vista: As obras deles, todas as obras deles são más. Sempre foram. E serão. Por isso é que os que um dia viemos, nascemos neste mundo, temos de escolher. Ou somos Treva e dos da Treva, Mentira e dos da Mentira - da Ordem Mundial em que estamos fisicamente inseridos e não há como lhe escapar - ou somos Luz e dos da Luz, da Verdade e dos da Verdade, mulheres e homens jesuânicos, companheiras / companheiros de Jesus, seguidores dele e prosseguidores do seu Projecto e das suas Causas. Porém, se para Jesus, a Luz e a Verdade, não houve lugar dentro da Ordem Mundial, tão pouco haverá para nós, à medida que formos como ele, formo ele. Daí, o desconforto que inevitavelmente sentimos, quando escutamos a Palavra carregada e atravessada pelo Espírito do Deus de Jesus e dos pobres. Acolhê-la e, sobretudo, praticá-la faz-nos nascer de novo, de Fora da Ideologia da Ordem Mundial, por isso, do Espírito do Deus de Jesus e dos pobres que Sopra dentro dela, para a derrubar, para a fazer implodir. Dizem-me algumas pessoas - e neste debate em Penafiel também houve quem o referisse - que, quando constituímos família e há filhos, filhas nossos a crescer, as coisas tornam-se mais complicadas. Compreendo que assim possa suceder. Talvez por isso, é que Jesus chega a dizer que quem quiser ir com ele, ser ele em cada tempo e lugar, tem de deixar a família, pai, mãe, filhos, casas, campos. Não se trata, evidentemente, de um simples deixar fisicamente. Também não deixamos, não podemos deixar fisicamente a Ordem Mundial. Do que se trata é dentro da Família como da Ordem Mundial, ousar viver segundo o Espírito do Deus de Jesus e dos pobres e não segundo a Ideologia da Ordem Mundial e da Família tradicional. E educar, neste caso, será despertar os filhos, as filhas para que se deixem seduzir e conduzir por este Sopro outro, o do Deus de Jesus e dos pobres, em vez de pela Ideologia da Ordem Mundial que é assassina e mentirosa. Seu bem, até por experiência, que viver assim não é fácil. E é por isso que a maior parte as pessoas desiste, fica pelo caminho, como o tolo no meio da ponte, nem frias nem quentes, como vomitadas da boca de Deus, o de Jesus e dos pobres. Parece que é por aí que prefere andar a imensa minoria que tem dado corpo à chamada classe média. Nem são dos poucos muito, muito ricos, nem das maiorias pobres, muito pobres, pior, empobrecidas. Se repararem, são estas pessoas que alimentam as Religiões e as Igrejas convertidas em religiões. E a Ordem Mundial e a sua Ideologia de Treva e assassina. O que fazer? Não vejo outro caminho que não seja a lucidez e a audácia de mudarmos de Deus - mesmo dentro do Ateísmo esta mudança é necessária, mudar de Ateísmo - passarmos, como numa verdadeira Páscoa, da Ideologia da Ordem Mundial para o Sopro ou Espírito do Deus de Jesus e dos pobres. E fazermo-nos progressivamente próximos dos pobres, das maiorias empobrecidas. Como intelectuais ou mais letrados orgânicos, na condição de seus discípulos, seus amigos, a caminhar / lutar com eles, não em vez deles. Os filhos, as filhas que tivermos, pelo menos, enquanto viverem com os seus pais / as suas mães, não terão outra saída senão acompanhá-los nesta conversão, nesta Mudança radical. Neste fecundo desconforto. E nesta Alegria que semelhante Mudança sempre traz no bojo. Não mudamos o mundo da noite para o dia? Mas, pelo menos damos, o que já não é pouco, mais força e mais visibilidade ao Processo Histórico que levará à Implosão da presente Ordem Mundial e da sua Ideologia de Treva e de Mentira, ao mesmo tempo que antecipamos nos nossos próprios corpos um Futuro outro, a Ordem Mundial outra, edificada segundo o Espírito ou o Sopro do Deus de Jesus e dos pobres, que é o único Espírito Criador de filhas e de filhos da estatura de Jesus, por isso, em estado de maioridade, sororais / fraternos, responsáveis pela História, vidas feitas de Luz e de Verdade sempre em acção, em movimento. Acção Política, Movimento Político, necessariamente.

No comments: